quarta-feira, setembro 27, 2006

O PROBLEMA DAS FONTES: AS ENCICLOPÉDIAS (I)

Por princípio as enciclopédias estão na linha da frente da pesquisa biográfica. Em muitos casos a pesquisa começa e acaba aí mesmo. São quase fontes únicas sem qualquer correspondência ou leitura horizontal. Por definição as enciclopédias são obras que circulam um vasto conjunto de conhecimentos com o fim último de educar. Essa é, aliás, a etimologia da própria palavra: do Gr. égkyklos, que significa circular + paideía, que significa educação. São precisamente estes calhamaços do conhecimento que, de alguma forma, vão estruturando a memória colectiva em relação a uma obra, a um homem ou a um acontecimento.

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Mini-Enciclopédia (Círculo de Leitores)

Sob a direcção de Manuel Alves de Oliveira e de Maria Irene Bigotte de Carvalho, com revisão de Almiro Morais, a Círculo de Leitores publica em 1993 a Mini-Enciclopédia, tendo como base a Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal. Num único volume de 838 páginas, esta obra surgiu com a «intenção de criar um instrumento de trabalho (essencial para o estudante, para o professor, para especialistas de diferentes áreas, para o leitor em geral), companhia de outras leituras, de outros estudos – ao qual se recorre para relembrar um nome, precisar uma data, acentuar um facto.» Vejamos o que nos interessa.

- Lobectomia (em vez de lobotomia) [1]: s. fem. Ablação de um lobo nos hemisférios cerebrais [2].

- Leucotomia: s. fem. O m. q. lobotomia [3]. Secção de vias nervosas do lobo frontal do cérebro [4]. Foi introduzida esta intervenção cirúrgica, em 1935 [5], por Egas Moniz, no tratamento de graves doenças psiquiátricas.

- Moniz, António Caetano de Abreu Freire Egas: Neurologista port. (Avanca, Estarreja 1874 – Lisboa 1955). Prof. na Univ. de Coimbra desde 1902, em 1911 passou a ocupar a cadeira de Neurologia na Faculdade de Med. de Lisboa. Em 1917 foi min. dos Negócios Estrangeiros. Em 1927 efectuou a 1.ª angiografia cerebral humana. Em 1938 [6] concebeu e executou uma intervenção cirúrgica cerebral, a leucotomia pré-frontal [7], depois largamente utilizada no tratamento de certas psicoses graves, o que lhe valeu o Prémio Nobel da Med., em 1949, partilhado por W. R. Hess.

Notas:

[1] Aqui aparece lobectomia mas na entrada “leucotomia” já faz referência à lobotomia. [2] O substantivo ablação é demasiado genérico; não faz referência à localização – lobo frontal – generalizando para o hemisfério cerebral. [3] Primeiro, leucotomia não é o mesmo que lobotomia (ver aqui). Segundo, quando vamos procurar a entrada “lobotomia” ela simplesmente não existe (aparece como “lobectomia”). [4] A localização de corte é o lobo pré-frontal e não o frontal. Daí a técnica designar-se por leucotomia pré-frontal. [5] Em Novembro de 1935 é realizada a primeira leucotomia pré-frontal experimental. A apresentação dos resultados à comunidade científica só se faz em 1936. [6] Não foi em 1938 mas sim em 1936. A data proposta é inconsistente com aquela apresentada na entrada “leucotomia”. [7] Faz referência correctamente à designação da técnica – leucotomia pré-frontal. Mas na entrada “leucotomia” faz referência ao lobo frontal e não pré-frontal.

Comentários:

1. Em nenhum dos casos é referido o nome de Walter Freeman.
2. Inconsistência de informação, nomeadamente nas datas. Na entrada sobre “Egas Moniz” refere a leucotomia pré-frontal como técnica concebida e executada em 1938 e na entrada “leucotomia” refere que a técnica foi introduzida em 1935. Em ambos os casos, a data correcta é 1936.
3. Confusão generalizada entre leucotomia, lobotomia, frontal e pré-frontal. Quem consultar esta Mini-Enciclopédia fica a saber que Egas Moniz inventou a leucotomia em 1935/1938 (?) e que a leucotomia é o mesmo que a lobotomia. Para quem queria fazer deste volume um instrumento «ao qual se recorre para relembrar um nome, precisar uma data, acentuar um facto», só podemos concluir que neste propósito e neste caso, faz um péssimo trabalho.